Na dúvida se começa a ler O Mundo de Sofia ou não? Então leia este resumo de O Mundo de Sofia (ou ao menos um resumo dos seus primeiros capítulos!)
A primeira grande lição do livro é que para se estudar filosofia, primeiro temos que descobrir qual pergunta o filósofo em questão está tentando responder, porque a pergunta na maioria das vezes é mais importante que a resposta. Por causa disso vou tentar seguir a seguinte estrutura nesse resumo de O Mundo de Sofia: cada parte será reservada para um filósofo/escola filosófica e começarei dizendo o que eles querem responder. Assim coloco em prática esse conselho que o livro me deu.
Começando com os pré-socráticos
O Mundo de Sofia começa na Grécia Antiga. Antes de Sócrates (um filósofo grego), quase todos os filósofos eram naturalistas, isto é, buscavam entender a natureza. Natureza aqui significa algo diferente do que estamos acostumados, significado uma ciência geral de movimento e mudança. Movimento e mudança no sentido mais amplo que você conseguir imaginar kkkk.
Esses filósofos estavam buscando entender o que é primário, fundamental e persistente, em oposição ao que é secundário, derivado e transitório. O nome chique para esse objeto de estudo é arché, e eu interpreto isso como axiomas da realidade.
De forma resumida, eles queriam entender a realidade (pouca coisa né). Eles estavam preocupados em responder perguntas do tipo “De onde tudo vem?”, “De quê tudo é criado?”, “Como explicamos a pluralidade de coisas encontradas na natureza?”, “Como podemos descrever a natureza matematicamente?”
Os jônicos
“De onde vem tudo que existe? ” foi a pergunta que um dos primeiros grupos de pré-socráticos (os filósofos da escola jônica) tentaram responder. O fundador da escola jônica foi Tales de Mileto, e a resposta que ele deu a ela foi de que tudo é originidado da água.
Para mim, a resposta dele é muito viajada e por isso nunca tentei entende-la profundamente. Mas isso não quer dizer que Tales não foi brilhante. Na verdade, ele fez ótimas perguntas que estão tentando ser respondidas até hoje.
Os pitagóricos
Uma outra escola filosófica interessante foi os pitagóricos, fundada por Pitágoras. Foi ele quem criou a palavra filosofia, que significava algo como amante (philo) da sabedoria (sophia). Apesar de que talvez esse nem tenha existido, como mostra esse vídeo.
Na real, da pra duvidar da existência de muitos desses gregos kkkk. Mas pouco importa se eles existiram ou não. O que importa são as ideias que atribuimos a eles, que resistiram ao passar do tempo (por serem ótimas ideias).
Pitágoras concordava com Tales de que deve existir uma substância primordial que da origem a tudo, e para ele essa substância era o número. Ou seja, para ele toda a realidade é feita somente de números. Isso fica claro no trecho em que Aristóteles fala dos pitagóricos, em seu livro Metafísica:
os denominados pitagóricos captaram por vez primeiro as matemáticas e, além de desenvolvê-las, educados por elas, acreditaram que os princípios delas eram os princípios de todas as coisas. Como os números eram, por natureza, os princípios delas […] e apareciam os números como primeiros em toda a natureza, pensaram que os elementos dos números eram os elementos de todas as coisas.
Os eleatas e Parmênides
Todos os filósofos jônicos e pitagóricos acreditavam na existência de uma substância básica única, que seria a origem de todas as coisas (discordando somente sobre qual era a substância). No entanto, isso criava um problema: como pode uma substância se transformar em outra coisa? Essa é uma boa pergunta pois observamos a mudança a todo momento na natureza. A água se transforma em ar, o broto se transforma em árvore, etc.
Quem se interessou por essa questão foi um grupo de filósofos da colônia grega de Eleia, no sul da Itália, por isso conhecidos como eleatas.
O eleata mais famoso é Parmênides. Parmênides acreditava que tudo que existe, existiu sempre (ou seja, a existência é atemporal). E mais, ele acreditava que não existe transformações, pois para ele a existência é imutável (sim, ele gostava muito de atribuir propriedades a existência, sendo considerado até o pai da Ontologia), logo a mudança não existe. Como então ele explicava as mudanças observáveis na natureza?
Simples, negando completamente a validade da observação através dos sentidos. Para ele, a única coisa real é aquela que se conhece através da razão. Nas palavras do livro O Mundo de Sofia:
Quando [Parmênides] foi obrigado a decidir se devia confiar nos sentidos ou na razão, decidiu-se pela razão.
Heráclito foi um contemporâneo de Parmênides, mas que diferentemente deste, acreditava no que seus olhos viam, afirmando que a mudança existia.
Parmênides e Heráclito são responsáveis por uma rixa que perdura até hoje na filosofia: Racionalismo × Empirismo. Racionalismo é uma crença filosófica de que a razão deve ser a fonte primária de conhecimento sobre a realidade, já o Empirismo é a crença de que os sentidos devem ser a fonte primária de conhecimento sobre a realidade.
Demócrito foi um outro pré-socrático posterior a Heráclito e Parmênides e sua filosofia pegou o que havia de melhor nas teorias deles, concluindo que há coisas imutáveis (os átomos) que compõem coisas fluídas (a matéria).
Agora Sócrates e os Sofistas
Sócrates (e os Sofistas) não se interessavam muito pela natureza, e foram responsáveis por mudar o objeto de estudo da filosofia ocidental passando da natureza para o homem e a sociedade área que não me interessa nem um pouco e por isso não vou escrever sobre nesse resumo de O Mundo de Sofia.
Os Sofistas eram filósofos contemporâneos a Sócrates que cobravam pra ensinar e por isso Sócrates odiava eles. Suponho que a profissão filósofo se consolidou depois de alguns pré-socráticos ficarem famosos, já que é preciso de pessoas dispostas a pagar por aulas para que essa profissão existisse.
Algo que gostei de ler nessa parte do livro é que apesar de racionalismo e empirimo ser mais aplicável quando o objeto de estudo é a natureza, ainda sim pode-se aplicar isso quando o objeto de estudo é outro. Por exemplo: Para os sofistas, a justiça era algo que mudava de acordo com a região, portanto é algo fluído. Já para Sócrates, a justiça era a mesma em qualquer lugar e em qualquer hora, logo é algo imutável.
Platão
Depois de Sócrates, O Mundo de Sofia fala de Platão, e esse tem ideias muitos interessantes.
Platão foi um discípulo de Sócrates que tentou responder a seguinte pergunta: o que é eterno e o que é fluído? Ou seja, Platão voltou a pensar nas perguntas levantadas pelos pré-socráticos!
Existem dois mundos
Para responder essas perguntas, Platão postula (ou seja, assume como verdade) que existe duas realidades: a realidade sensível (conhecida através dos sentidos) e a realidade inteligível (ou mundo das ideias). Platão era portanto um dualista. Mas além de dualista, ele também era racionalista, pois dava muito mais valor a realidade inteligível que a sensível. Para ele, é como se a realidade sensível fosse uma cópia da realidade inteligível.
Mas vamos com calma, afinal esse é um resumo do começo de O Mundo de Sofia, e não o livro inteiro.
Os habitantes do mundo inteligível seriam as ideias (ou formas). Ideias aqui seriam conceitos. Quando a gente pensa num círculo vem uma ideia na nossa cabeça, e por mais que a gente veja um círculo todo bugado num quadro negro, ainda reconhecemos que aquilo é um circulo e não um cavalo. Ou seja, as propriedades que faz aquilo ser aquilo e não outra coisa é uma ideia. É muito dificil catálogar direitinho essas propriedades, mas nem precisa. Desde que eu consiga ‘’ver’’ a ideia que originou aquilo que estou vendo.
É tipo assim: como eu sei que um carro é de fato um carro? Eu sei porque todos eles vieram da mesma ideia.
Para Platão, há um número limitado de ideias, mas as ‘’execuções’’ delas são virtualmente infinitas. Por exemplo: há uma única ideia de carro, mas há muitos carros no mundo material.
Uma coisa interessante é que a teoria do Platão implica que tudo no mundo já surgiu tal como é. Isso porque se há a ideia cavalo no mundo das ideias, e todos os cavalos são replicações dessa ideia, então não tem como o cavalo surgir de um outro animal, entende?
O daora é que Platão achava a ideia muito mais bela que a execução, e se a gente reconhecesse a ideia que originou o que estamos vendo no mundo material, ele acreditava que iriamos começar a enxergar a ideia no lugar da manifestação fisica, porque é mais bela. Seria tipo um vício. Agora sempre que eu olhar pra uma coberta, vou enxergar a ideia coberta, independentemente da cor da coberta, ou do tamanho dela, porque essas coisas são meros detalhes para a sua forma imutável.
Como conhecer o mundo intelígivel
Você pode se perguntar: como Platão sabe que existe esse tal mundo das ideias?
E para responder isso, Platão postulou outra coisa: Ele assume que existe alma e que essa alma não é material, e como a única outra opção é ela ser uma ideia, ela é habitante do mundo das ideias e estava habituada a todas as formas perfeitas (as ‘’formas’’ por trás das coisas que vemos no mundo dos sentidos, como círculos perfeitos). Ele vai mais além e diz que quando nascemos essa alma se confina a um corpo, e acaba se esquecendo dessas ideias, mas a medida em que vamos vendo as execuções das ideias, a alma vai se recordando da ideia em si. Platão chamava isso de reminiscência.
Por exemplo, ao vermos 20 cavalos, começamos a enxergar a ‘’forma’’ por trás desses cavalos, aquilo que os define como cavalos. E como somos atraidos por coisas eternas, no momento em que vamos tendo esses vislumbres do mundo das ideias, vamos começando a ter saudade do que a nossa alma viu no mundo das ideias, e junto da saudade vem um desejo de voltar pra lá. A esse processo Platão dava o nome de reminiscência e ao desejo de voltar ao mundo das ideias ele chamou de eros.
Essa discussão pode ser melhor aprofundada nesse vídeo:
Para explicar o que isso tudo tem a ver com o que Platão chamava de Dialética (palavrinha no título do vídeo acima), citarei um comentário do vídeo:
Platão afirma que a dialética é um conjunto de perguntas e respostas. Dialética platônica é um mundo onde você, através do diálogo, da razão, você chega a verdade. Platão dizia que o mundo inteligível, onde nós já vivemos, e nós caímos neste mundo sensível, e tudo que temos aqui são cópias imperfeitas do mundo inteligível. O mundo sensível não gera conhecimento, esse conhecimento vem do mundo inteligível. Quando fazemos algo aqui, estamos na verdade lembrando, mais ou menos, do mundo inteligível. É imperfeito por não lembrarmos de tudo.
Para Platão, aqueles que conseguem utilizar da razão, através do seu método dialético, conseguem, de fato, lembrar do mundo inteligível, isso é um processo de reminiscência. Em suma: quando caímos aqui é Amnésia, quando lembramos é reminiscência. Para Platão são os filósofos que são capazes disso.
Graças a essas ideias do amigo de ombros largos, o dualismo fica super em evidência e influênciou diversos pensadores posteriores a ele, como por exemplo Descartes. Mas isso é papo para outro resumo de O Mundo de Sofia.
O mito da caverna
O famoso mito da caverna de Platão faz alusão ao mundo sensível e ao mundo das ideias, mas não fica claro no mito como sair da caverna. Espero que após a leitura desse texto tenha ficado mais claro como sair. Caso não, aqui vai uma explicação direta:
Para sair da caverna, que é uma metáfora para relembrar do mundo inteligível, devemos diálogar com outras pessoas ou com si mesmo (dialogar com você e a voz na sua cabeça). Assim, estaremos “usando” a razão corretamente, e assim relembrando corretamente como é o mundo inteligível.
O mais interessante é que tentando responder o que é eterno e o que é fluido, Platão fez toda essa teoria filosófica. No final, ele acabou respodendo muito mais.
Outra coisa interessante é que Platão foi o primeiro a introduzir duas ideias chaves para o cristianismo: uma alma imortal que habitava um outro mundo também imortal e meio que uma necessidade de refrearmos os nossos desejos mais “impuros” para alcançar a sabedoria. Isso é tão verdade que Santo Agostinho mais pra frente fará uma releitura das ideias de Platão para adaptá-las ao cristianismo.
Conclusão
O próximo seria Aristóteles (meu filósofo favorito!), mas vou parar por aqui porque se não esse meu resumo de O Mundo de Sofia ficará muito grande. Mas se quiser saber mais sobre ele leia o meu texto O que é Lógica.
Depois de Aristóteles o livro continua descrevendo as teorias filosóficas até chegar nos filósofos atuais (isso foi um resumo dos 20% iniciais do livro kkkk) .
O que achei
Sem dúvidas, vale muito a pena ler. É uma leitura suave, porém muito enriquecedora. E ainda tem um romancezinho no meio e um final incrível. Se ficou curioso com esse resumo de o Mundo de Sofia, o livro pode ser comprado por aqui.
Adorei! Nunca tive muita paciência para coisas ligadas a filosofia pq uma coisa leva à outra e as coisas acabam ficando complicadas demais. Mas você conseguiu passar a sua mensagem não somente de forma simples, mas também de forma clara e coesa. Realmente gostei muito e espero que continue!!!
Obrigado!!
muito bom.. bem interessante.
ass; pastorzin
valeeeu pastorzin! sdd :]